domingo, 26 de maio de 2013

Um filme para refletir sobre a condição de Renato Russo

ARTIGO

AS DORES DO MUNDO DE RENATO RUSSO

Por Djair Galvão*

A cinebiografia de Renato Russo usou a capa da visibilidade de uma de suas canções – Somos Tão Jovens – para tornar invisíveis as dores que formaram um dos personagens mais criativos, sofridos e sinceros da geração musical brasileira dos hoje celebrados anos 80 da nossa era. A produção dispensa comentários porque é realmente impecável.

Que bom que não se trata de um filme para matar e nem para resgatar nada: saudades, ilusões, erros, acertos, dias melhores, piores ou mesmo uma geração. E nem mesmo serve para encorpar politicamente qualquer discussão sobre a última fase da ditadura militar que durou de 1964 a 1985. Passa por isso, vai além disso e não se presta a uma proposta de “mudar o mundo” – porque Renato Russo descobriu a tempo que ninguém muda nada - para sorte dele e da música brasileira que as coisas são assim. Sua atitude punk inicial foi o impulso elétrico para criar. E ponto de partida do rosário de dores vividos por ele.

Ainda a propósito de mudar ou não, vale lembrar que o movimento punk, nascido sob as barbas do conservadorismo britânico nos idos de 1977 – e que inspirou Renato e seus amigos de estrada -, viu florescer uma era muito pior com o tatcherismo reacionário poucos anos depois. A reação ‘liberalizante’ inglesa dos anos 1980 em diante inspirou governos mundo afora com supostas receitas modernizantes que todo mundo sabe no que resultaram hoje.

Voltando ao Somos Tão Jovens, o que se vê na tela é uma roteirização livresca. É como se a direção tivesse se inspirado nas veias dos antigos cordelistas do Nordeste brasileiro que criaram as histórias do Pavão Misterioso ou as narrativas maliciosas e tresloucadas de Cancão de Fogo. O personagem sofre o tempo todo, mas sempre dá um jeito de mostrar o seu valor, e Renato Russo foi muito mais do que um “jovem rebelde”. Ele simplesmente pegou uma estrada e foi metendo a cara. Quebrando a cara e as barreiras. Morrendo e aprendendo a viver de outro jeito possível.

O filme não mostra heroísmo da parte dele, exatamente como aconteceu. Renato não passa de um garoto doente, como se fosse frágil, quase em pedaços, que remenda lágrimas, chora nos ombros de uma menina e aprende barbaridades para transformar em poesia e sons. Bom ver também que a direção do longa não perdeu tempo com o encantamento – ou o desencanto - que seu dualismo sexual poderia render a analistas que buscam realçar supostas vantagens e desvantagens comportamentais de figuras como o cantor em questão.

Renato Russo não foi político partidário, mas adorava odiar os quintos dos infernos da política rasteira, sem com isso propor coisas alguma em matéria de organização. Falava de consciência, de romper com a alienação, gritava, berrava e chorava de dor pelo que não saía do lugar, talvez porque soubesse que não sairia. Seu papo era com o interior, com a mudança interna, sem medo imediato das reações externas – essa sim a imutável característica punk-rock-anarquista que carregou consigo até virar cinzas no jardim, depois da morte.

Impossível assistir ao filme sem atentar para as belas passagens históricas do Brasil daqueles tempos, mesmo que em Renato Russo fosse clara a insatisfação com um tempo determinado. Não era aquele o seu tempo, pois ele suspeitava como na música título do filme, que nós temos “todo o tempo do mundo”. Para viver, para não fazer nada, passar a vida em brancas nuvens ou apenas apreciar as belezas naturais dos elefantes arquitetônicos das nossas capitais. Ele, pelo visto, só tinha tempo para pensar e tascar tudo no papel. E depois transcrever com um olhar de ódio tão mortal quanto sua doçura de sofredor profissional.

É importante destacar os ingredientes usados no filme para retratar a vida de Renato Russo e das bandas de rock de Brasília, que deram o tom daquela geração: liberdade de criação, horror aos preconceitos baratos (que infestam a atual geração dos stand-up comedians) e poder de síntese dos sentimentos mais nobres. Ali tinha gente que sabia lidar com a palavra, com o banal e com o essencial – coisas que os derrames musicais escatológicos destes nossos tempos embrulharam em papel jornal e enterraram em Marte desde as eras axenozóicas.

A crítica de cinema nacional pode espernear, falar mal, procurar agulha no palheiro e rodar a bicicleta laranja, mas não terá como não considerar este o melhor filme brasileiro dos últimos tempos. De 2013, isso já é garantido. Mesmo que ainda venha outro tanto de produções.

Quem for ao cinema ver Somos Tão Jovens não se arrependerá. Não se chocará. Não terá sustos. Será simplesmente brindado com inteligência, bom humor, fidelidade biográfica e ritmo primoroso. O resto fica por conta de quem viveu, amou, sofreu e chorou o capítulo final de uma era que teve o mérito de ser como Renato Russo: diferente e marcante, embora não queira servir de lição para os tempos atuais, pois continuaremos a ter “todo o tempo” para fazermos o que bem entendermos do nosso mundo. E assim será.

* Jornalista e escritor, autor de O Saci de Duas Pernas

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Festival literário cresce a cada ano no interior de SP

O Festival Literário de Votuporanga (FLIV) chegou este ano à sua terceira edição mostrando como uma cidade do interior de São Paulo consegue ampliar seu espaço e produzir um evento de peso regional. Tive o prazer de participar dos eventos realizados no FLIV 2013 dias 4 e 5 de maio, onde lancei a terceira edição de O Saci de Duas Pernas, comungando de algumas das excelentes manifestações selecionadas para esta edição.

O FLIV 2013 escolheu como homenageado o poeta, cantor e compositor carioca Vinícius de Moraes, mas foi muito além dos livros e da poesia. Trouxe nomes como os escritores Paulo Lins e Marcelino Freire, além dos poetas Sérgio Vaz e Antônio Cícero - cuja participação em debates sobre cultura e produção cultural foi muito prestigiada. Também marcaram presença grupos de dança e de teatro popular, como foi o caso da Cia. Forrobodó, com adaptações criativas prestigiadas por grande número de pais e crianças no final de semana de 4 a 5 de maio.

O FLIV começou dia 30 de abril, com abertura do show do cantor Toquinho, seguido por diversas atividades no campo da arte. Diversos locais próximos abrigaram os debates, a área das livrarias e os palcos. Uma demonstração de que a Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Votuporanga - ancorada por diversos parceiros de peso da região - acertou no modelo, que tende a se consolidar no cenário dos festivais literários.