sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Crônica da morte diante da televisão

Por DJAIR GALVÃO FREIRE

Uma mulher de quarenta anos, vítima de violência conjugal, muda-se para um apartamento, onde morre, e só é encontrada três anos depois. Ela foi encontrada ‘vendo televisão’. Nada mais surreal e macabro, conforme narrou a Agência France Press (AFP). O ocorrido deu-se em Londres, Inglaterra, e não num país qualquer perdido no mapa, em abril de 2006.

Decerto não encontraremos metáfora mais contundente do abandono dos seres humanos à própria sorte, na atualidade, do que esta. A solidão diante da TV, a programação maçante – enfim uma repetição de coisas anos a fio – sem que a ‘telespectadora’ estivesse vendo nada.

Isso remete, em certo sentido, ao que se assiste hoje nos chamados canais abertos de televisão, no caso brasileiro. E equivale a milhões de pessoas diante dos seus aparelhos de televisão todo final de semana sendo tratadas como cadáveres ou múmias, abandonadas ao que há de mais desinteressante em matéria de produção televisiva e de entretenimento. Uma programação dominada pela repetição, pelo baixo nível, por programas que exploram o grotesco, ridiculariza os telespectadores e protagonistas dos programas, em sua maioria. São raras as exceções que não levam os donos dos aparelhos de TV à ‘morte dos seus dias’.

Não se despreza a vítima dessa morte real, a telespectadora inglesa, mas é possível ligar seu infortúnio ao dia-a-dia de outros tantos milhões ou bilhões de pessoas no mundo todo que se tornaram dependentes desses aparelhos a ponto de abandonarem outros meios de diversão ou de informação. Em grande parte dos casos, a TV, nós sabemos, é o ‘único meio de diversão, de informação e de formação de milhões e milhões de pessoas’ – particularmente no Brasil. O fato de a inglesa ter sido encontrada morta diante do aparelho de TV ainda ligado reforça a ‘dependência’ na metáfora aqui proposta.

A cena dela foi ainda pior porque na sala ainda estavam presentes de Natal que ela nem teria chegado a abrir, além de comidas e bebidas típicas de uma ceia de Natal. Eis a representação da solidão, regada a TV. Enquanto a tela trocava de cena, a cena da vida real se repetia, lá em Londres, como se repete infinitamente aqui e em várias partes do mundo dito ‘avançado’.

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